terça-feira, 1 de novembro de 2011

Vida adulta, rebeldia e foras-da-lei

Refleti sobre estes temas quando vi uma charge sobre a diferença entre a infância e a vida adulta com base no desenho "Tom & Jerry". A charge dizia, mais ou menos assim:

"Ser criança é admirar as pentelhices do Jerry e a frustração do Tom. Ser adulto é ter pena do Tom e achar o Jerry um cretino".

Ao adquirirmos responsabilidades, o "espírito livre" que vive em nós é atenuado pelas necessidades básicas de sobreviver, tais como moradia, alimentação, entretenimento, viagens etc. Cada pessoa tem sua curva de utilidade e, por isso, algumas vão longe demais nesta estrada, a ponto de comprometerem totalmente o seu tempo e a sua energia em projetos que viabilizem seus desejos e necessidades, não raramente superdimensionados.

Sem entrar no mérito do materialismo ou do trabalho excessivos, gostaria de discorrer sobre um ponto sutil, que abrange tanto aqueles que relutam em deixar a irreverência e a rebeldia para trás quanto aos que almejam a segurança e o conforto de uma vida sem grandes reviravoltas.

A questão em análise é: qual o nosso limite pessoal de rebeldia versus resignação com relação ao sistema vigente?

Se achamos injusta a carga tributária, é lícito sonegar impostos? Se achamos ilegal sonegar, é justo aceitar o fardo de estar na minoria que segue a lei e aceitar o prejuízo daí decorrente? É válido deixar sonhos e ambições para trás em busca de um emprego estável porém não tão satisfatório? É prudente empreender sabendo que há grandes chances de fracasso e de comprometimento da sua integridade, havendo outras alternativas mais seguras, porém com retornos potencias menores?

Se nos é repugnante a corrupção, o que faremos diante de uma situação na qual seremos dela beneficiários diretos? Agiremos como aqueles a quem a maioria elege? Acusaremos aqueles que deixaram seus sonhos para trás de terem vendido a sua alma ao "status quo"?

Atualizaremos nosso status na rede social com alguma mensagem política para depois esquecer tudo e votarmos irresponsavelmente na próxima eleição? Ignoraremos política apenas porque é "suja" e cruzaremos os braços para a degeneração da democracia, enquanto nos alienamos em viagens para o exterior, séries importadas ou quaisquer outras formas de entretenimento? Deixaremos estas preocupações de lado, em prol de vivenciar apenas o momento presente e o prazer?

Certa vez, vi uma imagem de uma pichação, questionado algo na mesma linha:

"Estude. Trabalhe. Tenha filhos. Mande-os à escola. Acompanhe a moda. Aja normalmente. Assista TV. Economize para a aposentadoria. Obedeça a lei. E repita comigo: 'eu sou livre'".

A mensagem ironiza a "programação" da nossa vida pela sociedade. Porém, não reconhece que alguns itens são minimamente necessários para um convívio social adequado, tampouco adverte sobre o sofrimento potencial que pode advir de ir contra a maioria, a despeito dos benefícios esperados.

A vida adulta e as necessidades já mencionadas de sobrevivência digna trazem demandas de tempo, intelecto e energia que podemos ignorar até certo ponto. Mas estas demandas estarão lá. Cederemos a elas na medida das nossas ambições. Mudaremos nosso conjunto de crenças conforme necessário. E, sem dúvida alguma, seremos julgados por isto.

Não posso deixar de sentir a mesma coisa que pensei quando li a mensagem sobre Tom & Jerry (indicada no início deste texto) e quando assisti novamente a um faroeste chamado "Pat Garrett & Billy the Kid" estes dias (excelente trilha sonora de Bob Dylan).

Neste faroeste, os dois personagens que dão nome ao filme tiveram várias experiências como fora-da-lei juntos, até que Pat Garrett, mais velho, resolve se tornar xerife, para não correr mais riscos e ter uma velhice segura. Ele é incumbido de prender Billy the Kid, seu antigo parceiro, sendo, posteriormente, responsável pela sua morte. A narrativa leva você a idolatrar o fora-da-lei e considerar a injustiça inerente à sua prisão e assassinato. É condenado o implícito capitalismo nascente naquele país e à minima ordem social necessária. O próprio capitalismo que nos trouxe o conforto que experimentamos hoje, juntamente com os efeitos colaterais. Pouca ênfase se dá à crueldade e à criminalidade do herói. Quando era mais jovem, simpatizava com Billy the Kid. Mas hoje entendo perfeitamente a posição e a decisão de Pat Garrett, tido como o vilão da trama.

Os rebeldes e revolucionários mudaram os rumos da história. Questionar o sistema é imperativo para a ocorrência das mudanças políticas, sociais e econômicas. Mas qual o limite que separa a real preocupação e eficácia em solucionar os problemas da nossa sociedade e a mera inconformação sem substância, sem efetividade? Talvez seja necessário se inflitrar no sistema para modificá-lo. O grande risco é ser absorvido por ele.

O rebelde sempre será considerado mais romântico. O rebelde nem sempre tem segurança com relação ao futuro e tem racionalidade duvidosa nos seus argumentos e ações. O que usa paletó sempre será considerado entediante. Porém, o engravatado nem sempre tem uma vida sem emoções ou é totalmente submisso ao sistema. O que o amanhã trará para ambos? Quem terá razão?